2010 – Rito de Passagem para a Moda
Democracia fashion sob o ponto de vista da consultora Cristina Franco, que esteve em Brasília
Será possível o chamado “mundo fashion” estabelecer um diálogo com os “outros mundos”, deixando de lado os estereótipos e clichês que há muito prevalecem? Uma notícia importante é que o Ministério da Cultura marca o início das relações institucionais com moda, arquitetura e design. As produções dessas áreas passariam definitivamente a serem consideradas manifestações da identidade brasileira e por isso contempladas nas ações do próprio MinC. A moda, a indumentária e o estilo de ser de uma época sempre foram referências fundamentais para pesquisadores de todo o mundo identificarem uma sociedade. É verdade que a nossa sonhada aldeia global, ao mesmo tempo em que trouxe benefícios, criou uma grande confusão de identidade. Países como a França já enfrentam a desconfortável pergunta: “o que é ser francês?”. Como a França, outros países estão sofrendo esse efeito colateral. Felizmente isso ainda não chegou por aqui. Talvez porque não tenhamos até agora mergulhado, do jeito que já deveríamos ter feito, em um entendimento mais profundo da nossa identidade. Não é fácil, em um país de dimensões continentais, com 20% da biodiversidade do planeta, com a maior reserva hídrica mundial e rica variedade de matrizes, termos conhecimento de um DNA tão complexo. Por isso, já que o assunto é moda, prefiro falar de artesanato, que, sem dúvida, é um dos ativos mais subutilizados que nosso país tem. A falta de diálogo da cadeia industrial com a cadeia de serviços de artesanato faz com que ainda acreditemos que exista um apagão no Brasil deste tipo de mão-de-obra. É um erro. Nossa diversidade de tipologias de artesanato de linha é enorme. Muitas delas só são encontradas aqui, e se não estimuladas, correm o risco de desaparecerem. Não porque careçam de mão-de-obra para produzi-las, mas pelo gargalo que hoje temos para comercialização destes produtos e pela falta da inclusão de melhores insumos tecnológicos para que esses produtos tenham maior competitividade em mercados que os valorizem. O backbone, a espinha dorsal do item de luxo, está no feito à mão, no artesanato de alto valor agregado, na marca de origem. Marca de origem: uma expressão mágica, uma chancela que um país como o Brasil, hoje enxergado de forma tão positiva no inconsciente coletivo mundial, tem toda propriedade para ter. O Brasil deve ser a grande marca guarda-chuva para a moda brasileira. Este ano, o país foi escolhido para sediar a conferência da International Textile Manufactures Federation, entre 17 e 19 de outubro, em São Paulo. Mais de 300 líderes mundiais virão ao Brasil. Não existe mais tempo, principalmente depois da ressaca financeira de 2008/2009, para a individualidade excessiva de cada marca. É muito caro consolidar uma brand a nível mundial. A recente coleção Chanel para o Verão europeu 2010 investe forte no feito à mão. Uma bolsa de coleção, de tamanho médio, toda em crochê, tem o preço a partir de £ 2.235, ou seja cerca de R$ 6 mil. Você sabia que Nova Russas, no sertão do Ceará, é uma cidade que produz um fantástico trabalho de crochê, inclusive pelos homens? Precisamos usar e divulgar o que temos aqui. Somos uma source fantástica, não só para nossa moda, como para outras marcas internacionais. Nossos códigos estéticos, personalíssimos, oriundos de nossas matrizes, agregados à nossa cadeia industrial produtora de roupas, constituem a única forma de termos um “made in Brasil” com identidade própria e alto potencial competitivo. Por isso, acredito que o maior reconhecimento da moda brasileira por instituições ligadas à cultura seja um forte incentivo para que toda esta diversidade não só possa vir à tona, por meio de uma facilitação de consultas, bem como a partir de um maior entendimento quanto à aplicação desses códigos estéticos. É claro que as diferenças têm de ser administradas de forma madura. Elas existirão sempre. Precisamos entender as forças e fraquezas dentro da cadeia produtiva, as ameaças e as oportunidades, para que possamos fortalecer de forma sustentável o que temos ainda muitas vezes em estado latente. Não existe mais tempo para fogueiras de vaidades, e marketing sem conteúdo real. Tudo ficou muito exposto. E como a gente sabe que a paz só é feita com os inimigos, talvez já seja tempo disso acontecer.